19.4.07

Jornalista precisa de diploma da vida, não de diploma de jornalista

Engel Paschoal
A primeira vez que ouvi falar da necessidade do diploma para ser jornalista foi há muitos anos, quando uma colega me disse: "Tá sabendo da lei que vai obrigar os jornais a contratarem só quem tiver diploma de jornalista?"
Confesso que, na época, nunca tinha ouvido falar em faculdade de jornalismo. Como eu já vinha exercendo a profissão, imediatamente requeri minha matrícula, de número 9051.
De lá para cá, esse assunto virou polêmica e agora me dou conta de que o decreto-lei que instituiu a obrigatoriedade de diploma de curso superior de Jornalismo já está fazendo 30 anos. Interessante é que não consigo me lembrar de nenhum jornal ou revista que defendeu abertamente essa obrigatoriedade. Ao contrário, a Folha de S.Paulo, entre outros, foi multada pelo Sindicato sob a alegação de ter gente sem diploma.
Ao que me consta, o Brasil é o único país em que existe tal exigência e não me parece que por isso nosso jornalismo seja melhor que o dos americanos, ingleses ou espanhóis, por exemplo. Aliás, há muitos jornalistas de reconhecida competência que estão na ativa hoje no Brasil e que não têm diploma de jornalista.
Apesar disso, é preciso reconhecer que, apesar de existirem muitas faculdades de Jornalismo (assim como de outras especialidades) que estão interessadas apenas em ganhar dinheiro, há algumas escolas de bom nível, sérias e com gente empenhada em formar profissionais. E que é melhor um jornalista com diploma de Jornalismo de faculdade decente que jornalista sem curso algum.
No entanto, ser jornalista é saber ver o que está acontecendo. Para isso é preciso conhecimento e, acima de tudo, experiência. Conhecimento não se adquire apenas na escola, mas em livros, filmes, discos e, agora, também através de computador. Experiência, só no dia-a-dia. Ou seja, não é preciso uma faculdade de Jornalismo para se ensinar isso aos jornalistas. É preciso viver, ganhar experiência, porque, por melhores que sejam a faculdade e o aluno, ao começar a trabalhar numa redação, todo jornalista ainda tem muito que aprender.
Acho que um médico que sabe escrever pode fazer muito melhor uma matéria sobre medicina nuclear, mudança de ministro, um assassinato ou mesmo um jogo de futebol do que um mau repórter, que exerce a profissão simplesmente porque é formado por uma faculdade de Jornalismo. O mesmo pode-se dizer de um físico, sociólogo, historiador, advogado etc.
Não estou dizendo que é preciso ser médico, físico, sociólogo, historiador, advogado etc. para escrever bem sobre um assunto. Há bons jornalistas que o fazem sem ter nenhum destes diplomas. O que digo é que o simples fato de ser formado em Jornalismo não dá a ninguém mais ou menos condições para escrever a respeito daquilo. Por isso, também não considero necessária a obrigatoriedade da pós-graduação em Jornalismo.
Por outro lado, acho que se deveria exigir um diploma superior de todo jornalista. Aliás isso é hoje uma realidade em qualquer profissão. É praticamente impossível se conseguir um bom emprego sem curso superior e o conhecimento de pelo menos uma outra língua, além do português. Com o jornalista não tem porque ser diferente.
Cabe aqui ressaltar que os grandes veículos já têm seus cursos de Jornalismo, os quais vêm aperfeiçoando o conhecimento, na prática, de quem pretende ingressar numa redação. O do Estadão, que neste ano completa 10 anos, é um exemplo. E temos também um curso de formação de editores: está no terceiro ano o Curso Master de Jornalismo, do Centro de Extensão Universitária, em São Paulo. Portanto, não é preciso obrigar ninguém a fazer uma faculdade de Jornalismo para poder exercer essa profissão. Além de exigir diploma superior e conhecimento de pelo menos outra língua, o veículo pode dar ao jornalista um treinamento através de um curso próprio. Futuramente, se o profissional tiver condições de assumir outras funções, um curso como o Master de Jornalismo é altamente recomendado.
A volta ao sistema anterior, no qual qualquer pessoa, independentemente do grau de escolaridade, podia ser jornalista, nem precisa ser cogitada. O próprio mercado de trabalho já sepultou essa possibilidade.
Portanto: 1) não sou a favor da obrigatoriedade de diploma de jornalista; 2) o fim dessa obrigatoriedade vai fazer com que sobrevivam as melhores faculdades de Jornalismo, porque elas terão que se aperfeiçoar ainda mais já que acaba a reserva de mercado; 3) deveria ser obrigatório um curso superior e o conhecimento de uma língua estrangeira; 4) os cursos de jornalismo dos próprios veículos são dignos de elogio e incentivo; 5) os veículos poderiam inscrever mais profissionais em cursos como o Master de Jornalismo, que, a exemplo do curso do Estadão, da Folha, da Abril e os de outros veículos, conta com profissionais renomados de outros países para aprimorar os conhecimentos do jornalista e, em conseqüência, a prática de um bom jornalismo.
Engel Paschoal é jornalista, publicitário e escritor em São Paulo

18.4.07

O STF e o debate abortado pelos jornalistas

Maurício Tuffani
Nem mesmo com as comemorações do Dia Nacional do Jornalista, celebrado em 7 de abril, a sociedade brasileira foi lembrada neste ano sobre a questão da obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício dessa profissão. Se depender da vontade da maioria dos contrários e dos favoráveis a essa obrigatoriedade, nenhuma discussão pública será realizada sobre esse tema, que aguarda julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal.
Apesar não existir em nenhum país em que o jornalismo tem efetiva importância para a cidadania, no Brasil a exigência do diploma foi estabelecida por meio do decreto-lei 972/1969, mas encontra-se suspensa desde 16 de novembro de 2006 por uma liminar do Supremo Tribunal Federal. Concedida pelo ministro Gilmar Mendes, a liminar teve, cinco dias depois, endosso unânime pela Segunda Turma do STF.
Do lado dos principais defensores desse decreto-lei, a Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) e os sindicatos a ela associados optaram não só pelo silêncio, mas também pela desinformação, a começar pela omissão da concessão da liminar do STF nas páginas de seus websites destinadas a informar sobre o andamento da questão na Justiça. Até o fechamento deste artigo, a Fenaj e os sindicatos paulista e o do município do Rio de Janeiro ressaltavam em seus websites o acórdão de 26 de outubro de 2005 da Quarta Turma do Tribunal Federal Regional da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, que foi favorável aos termos do citado decreto-lei.
Nenhuma menção, nessas páginas sindicais de "esclarecimento", sobre andamentos posteriores ao acórdão, como o recurso extraordinário da Procuradoria Regional da República (7/3/2006) e seu acolhimento pelo vice-presidente do TRF-3 (19/6/2006), nem sobre a ação cautelar do Procurador Geral da República (11/10/2006), muito menos sobre a portaria nº 22, de 22/1/2007, do Ministério do Trabalho e do Emprego, que determina "às Delegacias Regionais do Trabalho que procedam à suspensão da fiscalização do cumprimento da exigência de diploma de jornalista, referente ao respectivo registro profissional".
Desinformação e esvaziamento
Mesmo quando esse tema vem momentaneamente à tona por força dos acontecimentos no Judiciário ou no Legislativo, a maior parte dos representantes de ambos os pólos antagônicos tem renunciado ao debate. Como é de se esperar em relação a qualquer assunto polêmico - com o duplo agravante de envolver interesses de classe e da mídia -, a interlocução entre os contrários é praticamente inexistente, as opiniões conflitantes não são confrontadas e cada um dos lados conversa consigo mesmo, com os parceiros de convicção confirmando uns aos outros.
O melhores exemplos desse esvaziamento foram os projetos de lei de criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), de autoria do Executivo mas proposto pela Fenaj, e de regulamentação de funções jornalísticas - do ex-deputado Pastor Amarildo, do Tocantins, inicialmente do PSB e posteriormente do PSC, apontado pela CPI da máfia dos sanguessugas e felizmente não reeleito. As duas proposições foram engendradas na surdina pelos sindicalistas e abortadas sem discussão no Legislativo por pressão dos veículos de comunicação (ver, neste Observatório, "O cavalo de Tróia e o rolo compressor" (9/9/2004) e " Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ" (28/9/2004).
Tanto por parte de sindicalistas e da maioria dos professores de jornalismo, que elaboram suas propostas em ambientes domesticados e imunes ao questionamento - em que opositores ilustres são convidados a fazer depoimentos perante uma platéia fechada em torno de uma só posição -, como por parte da maioria dos empresários da comunicação e também - não necessariamente subordinados aos donos da mídia - articulistas e colunistas, que em nome da liberdade de expressão acabam promovendo amplas campanhas de massacre dos seus oponentes, o que prevalece é a guerra da desinformação, e muitas vezes com uma grande dose de cinismo.
Selvageria e hostilidade
Do lado favorável à exigência do diploma, é o cinismo daqueles que, diante da enorme desproporção entre a oferta de empregos e a procura de profissionais, causada pela proliferação desenfreada de cursos superiores de jornalismo no Brasil, agem como se ela não fosse estimulada pela obrigatoriedade; daqueles que evocam a formação superior específica como caminho para assegurar a correção ética e a capacitação técnica, mas fazem vista grossa ao crescente despreparo da massa de graduados despejada anualmente no mercado; e daqueles que cientes da ignorância sobre a regulamentação profissional em outros países - predominante entre os graduados nestes 38 anos de vigência do decreto-lei -, agem como se o ensino de jornalismo não tivesse responsabilidade nenhuma sobre isso.
Do lado contrário ao decreto-lei, é o cinismo daqueles que bradam contra o desrespeito dos sindicalistas pelo debate, mas silenciam quando a discussão que ameaçava começar é sumariamente abortada; daqueles que, nos momentos em que o tema da regulamentação profissional vem à tona, aparecem para exibir suas performances argumentativas ao gosto dos patrões, e saem de cena quando a crise acaba, guardando-se como munição para futuras demandas; daqueles que vêem qualquer proposta de regulamentação como atentado contra a liberdade de expressão, mas fazem vista grossa ao sonho de desregulamentação geral por parte dos donos do capital.
Entretanto, também de ambos os lados dessa polêmica, existe uma minoria capaz de abordar o tema com respeito às opiniões contrárias, com disposição para uma efetiva interlocução e com discernimento para buscar uma saída que atenda ao interesse público. Mas, a cada dia que passa, cresce entre esses remanescentes de civilidade o desânimo e a falta de estômago para suportar o antiintelectualismo, a selvageria e a hostilidade das duas "torcidas organizadas" que se instalam em praticamente todas as tentativas de discussão.
O assunto tornou-se, portanto, um vespeiro. Não é de se estranhar que não tenha sido citado nem mesmo en passant entre os temas arrolados no relatório " Mídia e Políticas Públicas de Comunicação", da Andi (Agência Nacional dos Direitos da Infância), baseado no acompanhamento de 1.184 matérias no período de 2003 a 2005, publicadas em 53 jornais de todos os 23 estados brasileiros e de quatro revistas semanais, que procurou avaliar como se comportam esses veículos "quando os temas em destaque em suas páginas remetem a questões referentes ao próprio universo das comunicações".
Trâmite na Justiça
Nada disso vai mudar sem que seja forçado um novo marco regulatório. Nada disso vai mudar se for mantida a obrigatoriedade do diploma e o esdrúxulo modelo de registro vigente, na esfera do Estado, nos moldes do decreto-lei 972, de 1969. É preciso atender ao pedido da ação civil pública de 2001, do procurador da República André de Carvalho Ramos: eliminar não só a obrigatoriedade, mas derrubar por completo esse dispositivo cujo texto não teve amparo em nenhuma lei e em nenhuma constituição, mas somente no AI-5 e no AI-16.
Ciente da gravidade dos termos dessa ação civil pública, a juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, assegurou os direitos envolvidos, mas preferiu não interferir além do necessário na legislação existente, uma vez que havia matéria constitucional a ser apreciada pelo STF. Por essa razão, tanto em sua liminar de outubro de 2001, como em sua sentença de janeiro de 2003, a juíza suspendeu a obrigatoriedade do diploma sem eliminar o registro nas DRTs, e teve a decência de submeter de ofício sua própria decisão à instância superior.
Em seu acórdão de 2005, os desembargadores do TRF-3 desconsideraram solenemente, sem qualquer comentário, manifestações jurídicas contrárias à exigência do diploma feitas por importantes mestres do Direito Administrativo Público, como Geraldo Ataliba, que foram citadas na sentença de Primeira Instância. Desconsideraram também o vexame passado em 1985 pela Justiça da Costa Rica, que foi obrigada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a abolir sua lei que condicionava o exercício da profissão à formação superior específica. E desconsideraram a regulamentação profissional nos Estados Unidos e também na Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Colômbia, Dinamarca Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia, Suíça e em vários outros países.
Graças à procuradora regional da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o acórdão teve apelação, que foi acolhida pelo vice-presidente do TRF-3, desembargador Paulo Octávio Baptista Pereira, e pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, que encaminhou sua ação cautelar ao STF. Ao analisar a ação, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha declarou-se impedida - por razões que não foram divulgadas-, e a distribuição do processo foi refeita, cabendo sua relatoria ao ministro Gilmar Mendes. Sua liminar foi apreciada por seus colegas de toga, mas sem a participação do ministro Eros Grau, que anteriormente, como advogado, já havia dado parecer jurídico contrário à constitucionalidade da exigência do diploma pelo decreto-lei 972/1969.
Crise e desafios
No Brasil, ao longo desse trâmite de quase seis anos na Justiça, a quase totalidade dos profissionais de veículos de comunicação, sindicalistas, professores e até mesmo estudantes de jornalismo, em manifestações na imprensa, em blogs, em chats, em grupos de discussão na internet e em fóruns de websites, mostraram o que têm de pior: a superficialidade, a renúncia à verificação e à checagem das informações que recebem, o desinteresse pela contextualização e o desrespeito aos preceitos éticos profissionais de busca do contraditório e de jamais frustrar o livre debate de idéias.
Enquanto isso, em meio às transformações econômicas e tecnológicas globais e suas conseqüências no mundo da comunicação - como a redução drástica da circulação dos jornais e a migração de grande parte da receita publicitária para outras formas de acesso aos consumidores -, estamos assistindo em todo o mundo ao crescente processo de concentração de propriedade dos meios de comunicação, à sua incorporação a conglomerados empresariais sem tradição jornalística e sem compromisso com a informação e às sucessivas eliminações de postos de trabalho de jornalistas como parte das estratégias de minimização de custos.
Nesse processo, caminham a passos largos o aumento da distribuição de conteúdos em detrimento da produção deles, a miscigenação e a promiscuidade da informação com o entretenimento, a decadência da disciplina da verificação e da checagem, a influência cada vez maior das corporações e governos na agenda da imprensa e a pulverização dos valores éticos e de credibilidade que deram origem ao jornalismo e ao seu papel na defesa da cidadania.
Longe de responder aos desafios desse cenário, a concepção da formação superior específica como requisito para a capacitação ao exercício da profissão levou o ensino de jornalismo brasileiro a permanecer refém de uma armadilha conceitual, na forma de uma busca permanente de soluções para problemas viciados e de respostas para questões recorrentes, como mostramos, há quase dois anos, em outro trabalho, que permanece praticamente sem resposta, mas foi considerado no recurso extraordinário da Procuradoria Regional da República em São Paulo (" Diploma de Jornalismo", Consultor Jurídico, 25/6/2005).
A decisão, finalmente, está nas mãos do STF, apesar de todas as tentativas de debate sobre o assunto terem sido abortadas. Espera-se que o julgamento da ação cautelar da Procuradoria Geral da República seja pautado pela defesa do interesse público, pela diversidade de opiniões sobre o tema, pela contextualização da regulamentação profissional no Brasil e até mesmo pela necessidade de valorizar a formação superior específica em jornalismo, preservando-a do aviltamento inerente a vinculações incompatíveis com o espírito de independência e de universalidade da atividade acadêmica.