5.3.07

Jornalismo Cidadão: um modismo passageiro ou o futuro da notícia?

A pergunta tornou-se ainda mais intrigante depois que a agência de notícias Associated Press, um dos bastiões do tradicionalismo jornalístico nos Estados Unidos, anunciou há dias uma inesperada parceria com o projeto Now Public , uma revolucionária experiência canadense que reune 60 mil colaboradores voluntários, também conhecidos como jornalistas cidadãos, em 140 países.
Ao justificar o acordo, a AP, a segunda maior agência de notícias do mundo, explicou que a incorporação de notícias produzidas por cidadãos comuns "visa diversificar e aprofundar a pauta de informações" oferecida pelos seus 240 escritórios ao redor do planeta. A justificativa admite implicitamente que as exigências de informação no mundo atual superam a capacidade dos seus 4.000 jornalistas e funcionários distribuidos em 96 países.
Now Public, criado em 2005 pelo empreendedor canadense Michael Tippet, é considerado desde o ano passado como um projeto empresarial bem sucedido, numa área do novo jornalismo pela internet, onde as dúvidas e incertezas ainda são enormes. Entre os consultores do projeto estão alguns dos mais conhecidos gurús da comunicação online como os norte-americanos Dan Gillmor, J.D. Lassica e Howard Rheingold.
A parceria AP/NowPublic é um ponto a favor daqueles que apostam na incorporação do cidadão comum na produção de notícias. A iniciativa acontece quase simultaneamente à realização do evento We Media e da divulgação da maior pesquisa academica já realizada até agora sobre o chamado jornalismo cidadão, um conceito ainda sujeito a muitos questionamentos.
O We Media reuniu em Miami, entre 7 e 9 de fevereiro, a nata dos futurologistas e comunicadores online dos Estados Unidos para um debate onde o que mais impressionou foi o longo obituário de experiências de jornalismo cidadão, num país que é considerado o maior laboratório de incorporação de pessoas comuns na coleta e publicação de notícias.
O pessimismo do evento anual surgido em 2003, após a publicação do histórico informe We Media , contrasta com uma visão quase otimista dos resultados da pesquisa The rise and prospects of hyperlocal journalism (Ascenção e Perspectivas do Jornalismo Hiperlocal), realizada pelo Institute for Interactive Journalism e financiada pela Fundação Ford.
A pesquisa é um dos primeiros estudos acadêmicos sobre o fenômeno do noticiário local produzido por cidadãos comuns e sua principal conclusão é a seguinte: o jornalismo cidadão veio para ficar, mas as iniciativas nesta modalidade de cobertura mostram uma grande rotatividade e baixa esperança de vida.
Isto significa que deve aumentar muito o número de sites e projetos na medida em que as pessoas comuns começarem a ter maior consciência de sua participação na formação da agenda pública de temas para debate comunitário. A pesquisa admite que o público ainda não adotou o jornalismo cidadão e reconhece que a boa parte das pessoas comuns ainda assumem uma atitude emocional ao participarem da produção de noticias.
"Durante décadas nós, na imprensa, fomos muito bons na missão de dizer ao público que não iriamos publicar suas contribuições porque elas estavam fora dos padrões jornalísticos. Treinamos gerações e gerações para serem meros consumidores de notícias. Agora, de repente, dizemos aos nossos leitores, vocês devem participar no noticiário", diz Kevin Kaufman, editor do MyTown.DailyCamera.com, da cidade de Boulder, no Colorado e um dos entrevistados na pesquisa.
O trabalho mostra como a gama de projetos de cobertura local por cidadãos comuns é extremamente variada e relaciona nove grandes categorias que vão desde sites mantidos por jornais regionais até páginas editadas por um individuo especializado num só tema. Há também muitas iniciativas surgidas em torno de problemas localizados e que desaparecem quando a questão é resolvida ou perdeu importância.
Os projetos de jornalismo cidadão começam a se multiplicar pelo mundo afora. Na Índia, o Citizen Express reune um grupo de jornalistas independentes que produzem uma página que cobre 29 áreas informativas contando apenas com material fornecido pelos seus usuários. Idéia semelhante está sendo desenvolvida na Espanha, com o site Reportero Digital que já tem páginas em quatro cidades e vai abrir em breve mais 14.
Todos eles seguem a mesma trilha aberta em 2001 pelo jornal sul-coreano Ohmy News , que hoje tem 40 mil colaboradores e quase 30 milhões de leitores diários. No Chile, um dos mais lidos é o El Morrocotudo , da cidade de Arica, só para citar um dos casos mais conhecidos na Améria Latina.
A multiplicação de iniciativas mostra que o público começa a se interessar pela participação e que os jornais estão dispostos a não perder esta oportunidade de reconquistar as simpatias de seus leitores. Ainda há muito de modismo e novidade no fenômeno do jornalismo cidadão, mas existe um componente estrutural que tende a transformá-lo num ator importante e permanente.
Os jornais não tem mais recursos financeiros, técnicos e humanos para atender à demanda de informações locais. Isto abre um campo enorme para a participação dos cidadãos tanto na produção de páginas informativas pessoais ou em grupo, como fornecendo notícias para empresas jornalísticas. Trata-se, no entanto, de um processo que ainda vai tomar algum tempo porque implica mudanças de atitudes dos jornalistas profissionais e do cidadão comum, que continua muito desconfiado da grande imprensa.
Conversa com os leitoresAo escrever esta nota tentei encontrar experiências brasileiras de cobertura de temas locais a partir de colaborações de pessoas comuns. Ouvir falar de um projeto cujo nome parece ser Rec6 ou Rec9. Não consegui achá-lo na Web por isto peço que vocês me ajudem a encontrar casos brasileiros porque alguma coisa deve estar sendo feita nesta área por aqui. Temos casos como o Midia Independente, produzido por colaboradores voluntários mas cujo foco são as questões políticas. A reunião de experiências nacionais poderia levar à criação de um blog como o argentino Periodismo Ciudadano .