A preocupação com o diploma não se justifica, até porque a não-exigência de formação específica em Jornalismo é característica dos países de maior tradição democrática e da totalidade dos países ricos e desenvolvidos
Em votação histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu, por oito votos a um, a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista, colocando assim um ponto final a uma das polêmicas mais ácidas travadas dentro e fora das redações brasileiras, no período posterior à reconquista das liberdades democráticas e, mais especialmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
De caráter definitivo, a decisão do Supremo consagrou o entendimento de que a exigência de formação superior em Jornalismo conflita com a Constituição e também com tratados internacionais de que o Brasil é signatário - os quais, uma vez ratificados pelo Congresso, vigoram automaticamente.
Mais do que o decreto-lei 972, baixado em outubro de 1969 pela Junta Militar, sem aprovação do Congresso (que estava em recesso) e amparado em artigos dos Atos Institucionais nº 5 e 16, o que o STF derrubou foi a ideia de que a liberdade de expressão e comunicação, assegurada pela Carta de 1988, possa ser alvo de controle estatal, sob qualquer pretexto. O presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, já avisou que tentativas de regulamentar a profissão, por meio de exigências legais como essa, terão o mesmo destino.
Prevaleceu, assim, o princípio consagrado na Lei Maior brasileira, segundo a qual “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (artigo 5º, inciso IX). Reforçado pela garantia de que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” e ainda de que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (artigo 220, caput, e parágrafo 1º).
A decisão do STF se coaduna, também, com os tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Mais especificamente, a Declaração Internacional de Chapultepec (1996), a Declaração Americana sobre Direitos Humanos (1992) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que, em seu artigo XIX, estabelece: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.”
Vista como um retrocesso pelo movimento dos jornalistas diplomados e estudantes de Comunicação Social, a derrubada da obrigatoriedade do diploma foi, entretanto, celebrada por veículos como “O Estado de S. Paulo”, "Folha de S. Paulo" e Rede Globo, e entidades que congregam os órgãos de comunicação, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Paulista de Jornais (APJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Até mais que a questão das liberdades e garantias individuais, a polêmica inócua que se formou na esteira da decisão do STF diz respeito a uma possível preocupação com o futuro da imprensa, como se não pudessem existir pessoas éticas e com ótima bagagem cultural fora dos cursos de Jornalismo. A preocupação não se justifica, até porque a não-exigência de formação específica é característica dos países de maior tradição democrática e da totalidade dos países ricos e desenvolvidos, como Austrália, Suíça, EUA, Japão e Reino Unido, entre outros.
De maneira geral, os veículos entendem que o jornalismo possa se tornar mais rico e pluralista, com a possibilidade de agregar profissionais de formações e experiências culturais/profissionais variadas, embora continuem reconhecendo o diploma específico como um importante diferencial. À medida em que o diploma deixa de ser obrigatório, acredita-se também que os cursos de Jornalismo serão compelidos a melhorar a qualidade da formação oferecida, coisa que, em muitos casos, a reserva de mercado acabou jogado para segundo plano, durante longo período.
O Brasil perdeu tempo demais discutindo quem pode e quem não pode ser jornalista. Está na hora de mudar o foco do debate para o que realmente interessa à sociedade brasileira: a qualidade e a credibilidade do jornalismo praticado.