9.7.09

Só o diploma resolve?

Washington Novaes

Dificilmente levará a alguma transformação relevante o atual debate sobre a dispensa, pela Justiça, de diploma universitário para exercer a profissão de jornalista - a não ser a prováveis tentativas de restabelecer, por votação no Congresso, o status quo anterior. E lá, também, com defensores ardorosos das duas posições.

É um tema difícil de conduzir a posturas consistentes apenas com os argumentos mais usados hoje. Se o autor destas linhas recorre à memória dos seus 53 anos de vida profissional (sem diploma de jornalista, pois a exigência chegou mais tarde, quando já exercia a profissão e tinha registro profissional havia alguns anos) constata que alguns dos melhores jornalistas que conheceu ou com quem trabalhou não eram diplomados em universidade. Alguns dos piores, também não eram. Da mesma forma, alguns dos melhores tinham ou têm diploma, alguns dos piores também.

É difícil argumentar com cerceamento à liberdade de pensamento e expressão. Os meios de comunicação trazem todos os dias artigos, entrevistas, pronunciamentos de pessoas das mais diversas formações e tendências. É certo que pessoas sem formação universitária continuam a exercer o jornalismo, embora isso aconteça também em muitas áreas, com frequência defendidos ardorosamente por sua clientela. A prática só é rara em áreas de alta especialização ou sofisticada tecnologia.

A discussão apenas sobre o registro igualmente deixa de lado questões fundamentais para a comunicação e para a sociedade. Primeiro, a informação como um bem, um direito da sociedade. Segundo, a responsabilidade pessoal do jornalista (e não apenas do meio de comunicação) com qualquer informação que veicule. Terceira questão: o sistema de concessão de emissoras de rádio e TV. Quarta, o conteúdo dos cursos de jornalismo. São, todas, questões complexas, que terão de ser abordadas muito sucintamente neste espaço.

1. Informação é poder, afirma-se. E se é assim, quem tem mais informação tem mais poder. Por isso, a possibilidade igualitária de acesso à informação deveria ser um bem da sociedade, inscrito na Constituição, para que se fizessem leis protegendo esse bem. Mas não é assim. Nada impede um meio de comunicação de suprimir, deturpar, fazer o que quiser com qualquer informação.

2. A responsabilidade pelo escrito, publicado, divulgado, não é apenas do meio de comunicação: envolve também uma responsabilidade pessoal do jornalista; do que ele escreve, fala, veicula, podem depender a vida de pessoas, a honra, o patrimônio, o trabalho, tudo. E o jornalista precisa estar consciente disso no momento em que exerce a profissão.

3. O sistema de concessão de rádios e televisões, unicamente a cargo do Executivo e do Legislativo federais, é obsoleto e pode conduzir a favoritismos, alianças políticas e econômicas, barganhas, muitas coisas indesejáveis. Precisa ser revisto.

4. O currículo dos cursos de jornalismo também precisa ser revisto, atualizar-se com questões contemporâneas, principalmente com a mal chamada questão ambiental. Porque esta não pode continuar sendo considerada uma especialização, um gueto isolado, em lugar de uma condição transversal, como está na moda dizer, para significar que ela deve estar envolvida com qualquer tema que se discuta - econômico, político, social, cultural.

De fato, como discutir economia, por exemplo, sem levar em conta a base natural de recursos e ignorando que estamos consumindo no mundo cerca de 30% de recursos naturais além da capacidade de reposição do planeta e caminhando para situações dramáticas, que "põem em risco a sobrevivência da espécie humana", como reitera o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan? Como ignorar que os países industrializados, com menos de 20% da população mundial, consomem quase 80% dos recursos ? Como discutir uma estratégia nacional brasileira sem colocar à mesa - conhecendo-a - nossa posição privilegiada em matéria de recursos naturais ?

Como se poderá discutir qualquer coisa sem considerar a outra questão dramática de hoje, que está nas mudanças climáticas ? E como, sob este ângulo, deixar de ter em conta nossa invejável possibilidade de uma matriz energética "limpa" de gases poluentes e renovável? Como falar em novas hidrelétricas, termelétricas e nucleares, ignorando estudos que mostram a possibilidade de trabalharmos com apenas 50% da energia que demandamos hoje ?

Como debater a questão amazônica sem recordar a influência das florestas no clima? Ou falar de ameaças à independência esquecendo que até hoje a Amazônia vive fundamentalmente em função de interesses externos - exportação de minérios com alto custo ambiental e social; exportação de eletrointensivos (alumínio, ferro gusa) a custos ainda mais altos, para países industrializados que não querem produzi-los por causa desses custos e os importam, sem remuneração adicional. E nós ainda subsidiamos em quase 50% o custo energético desses produtos. Como esquecer que empresas de outros países são isentas de impostos na Zona Franca de Manaus ? Como discutir a questão dos índios sem saber que suas reservas são o mais eficiente meio de conservação da biodiversidade ?

Também não é possível discutir o social e o cultural sem levar muitas coisas em consideração. Por exemplo, o alto custo social da "guerra fiscal", que a cada ano dispensa do pagamento de bilhões de reais em impostos em todo o país (inclusive em Goiás) alguns empreendimentos - e são esses recursos que, em lugar de concentrar a renda, poderiam melhorar a situação nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia e muitas outras.

Tudo isso e muito mais mostra a necessidade de uma discussão abrangente sobre os currículos, sobre a comunicação e os direitos da sociedade, sobre a responsabilidade pessoal do jornalista. É um bom momento.

Washington Novaes é jornalista